Voo de Cecília - Homenagem
Pego o compasso, centro
em seu passo, e vou:
em seu passo, e vou:
Voo possuído de Cecília.
Caminho no desenho das cores
com a dona da pintura infinita.
Prima-dona desse encanto chamado
vida.
com a dona da pintura infinita.
Prima-dona desse encanto chamado
vida.
Vou porque quero.
Voo voluntário.
Vou…
porque não há mais fazer
senão ir
com quem nos adivinha
o sonho.
Voo voluntário.
Vou…
porque não há mais fazer
senão ir
com quem nos adivinha
o sonho.
Ouço as notícias, Cecília.
Os seus elefantes chegaram.
Os seus elefantes chegaram.
Lamento
ser cumprido o tempo.
ser cumprido o tempo.
Cansados
os seus paquidermes
leais ao dever
chegaram.
os seus paquidermes
leais ao dever
chegaram.
Todo o peso das novas
trazem nas patas:
– inexoráveis
– mansas
– lerdas
– reais.
trazem nas patas:
– inexoráveis
– mansas
– lerdas
– reais.
Ouço
– e rio
porque escuto
doce suspiro nas trombas
contando aventuras fantásticas
do vento – enamorado – sem rumo
da barca – amorosa – sem porto
desses dois loucos
deitados ao mar.
– e rio
porque escuto
doce suspiro nas trombas
contando aventuras fantásticas
do vento – enamorado – sem rumo
da barca – amorosa – sem porto
desses dois loucos
deitados ao mar.
E ouço mais
– nos olhos
o brilho sano dos pequenos azuis
medíocres
frente corpo tamanho
mas poucos
para mirar sem conter
ensinando cegueira pra ver
segredos na eternidade abissal.
– nos olhos
o brilho sano dos pequenos azuis
medíocres
frente corpo tamanho
mas poucos
para mirar sem conter
ensinando cegueira pra ver
segredos na eternidade abissal.
Ainda ouço
e sinto mais
– na pele
o roçar das dobras do tempo
desejosa do veludo da rosa
e ansiando em suas estrias
prender na memória macia
a primavera perfumada do amor.
e sinto mais
– na pele
o roçar das dobras do tempo
desejosa do veludo da rosa
e ansiando em suas estrias
prender na memória macia
a primavera perfumada do amor.
Silêncio…
O peito grita
– cravado o punhal.
A força do sangue
– batida na poesia.
Entranhas imersas
– fantasmas de breu.
Chama alma esperança
– velas içadas.
E as patas
todas
bolhas
– viagens reinventadas.
– cravado o punhal.
A força do sangue
– batida na poesia.
Entranhas imersas
– fantasmas de breu.
Chama alma esperança
– velas içadas.
E as patas
todas
bolhas
– viagens reinventadas.
Tudo passa por nós
pela vida…
pela vida…
Por quantos cantos forem precisos:
“Deus te proteja Cecília!
Que tudo é mar… e mais nada.”
“Deus te proteja Cecília!
Que tudo é mar… e mais nada.”
http://sopoesia.wordpress.com
Cecília Meireles-Homenagem.
Cecília Meireles
Poeta do MOTIVO de vida completa
Porque o instante existe
Com a maestria do lirismo à realidade
Que traz à tona a beleza da poesia
Com cheiro, cor, e gosto e fantasia
Envereda trilhas, caminha incessante
Tece no âmago aconchegantes ninhos
Aninha-se...
Dá formas de voejos borboleteando
Insinua trajetos dos fortes versos
E das canções, traz histórias reais
Grandes viagens e romanceiros
Navega em mar azul e maresia
E deixa noutras vias das palavras,
Puro afeto
Gosto de fruta madura,
Lembranças de morte e vida
Saudade...
Na certeza original do mundo
Do abstrato e do concreto
Cecília professora,
Sábio olhar aos pequeninos
Jornalista e escritora de senso profundo
Os seus poemas correm mundo inteiro
Marejam os olhos regando canteiros
Quem de corpo e alma adentra
Os grandes sonhos sonhados
Razão maior de viver...
GRANDE CECÍLIA
VIVA
“Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
__mais nada.”
Estrofe do poema MOTIVO da autora Cecília Meireles.
Imagem da web
CAMPOS, Graça. Poema. Cecília Meireles-Homenagem.
(...) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade".
(...) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e
deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre essesdois tempos de vida, unidos como os fios de um pano".
Ou Isto ou Aquilo é um livro de Cecília Meirelis, publicado em 1964, é um dos mais belos clássicos da poesia brasileira. Ele aborda os sonhos e as fantasias do mundo infantil. É indicado para crianças.
Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
www.revista.agulha.nom.br/ceciliameireles.html
Neste livro: O menino azul, o imaginário infantil, tratado com leveza, é a tônica dos versos. Ainda, o sentimento toma cor e forma com as ilustrações de Lúcia Hiratsuka, que busca como a escritora, a simplicidade e a naturalidade presentes na natureza.
O menino azul
O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.
O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.
O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.
E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.
http://blogs.utopia.org.br/
O ANJO DA NOITE
As dez e meia, o guarda noturno entra de serviço.Late o cãozinho do portão no primeiro plano; ladra o cão maior do quintal, no segundo plano: de plano em plano, até a floresta, grandes e pequenos cães rosnam, ganem, uivam, na densa escuridão da noite todos sobressaltados pelo trilhar do apito do guarda-noturno. Pelo mesmo motivo, faz-se um hiato no jardim, entre os insetos que ciciavam e sussurravam nas frondes: que novo bicho é esse, que começa a cantar com uma voz que eles julgam conhecer, que se parece com a sua, mas que se eleva com uma força gigantesca?
Passo a passo, o guarda-noturno vai subindo a rua. Já não apita: vai caminhando descansadamente, como quem passeia, como quem pensa, como um poeta numa alameda silenciosa, sob árvores em flor. Assim vai andando o guarda-noturno. Se a noite é bem sossegada, pode-se ouvir sua mão sacudir a caixa de fósforos e até adivinhar, com bom ouvido, quantos fósforos estão lá dentro. Os cães emudecem. Os insetos recomeçam a ciciar.
O guarda-noturno olha para as casas, para os edifícios, para os muros e grades, para as janelas e os portões. Uma pequena luz, lá em cima: há várias noites, aquela vaga claridade na janela: é uma pessoa doente? O guarda-noturno caminha com delicadeza, para não assustar, para não acordar ninguém. Lá vão seus passos vagarosos, cadenciados, cosendo a sua sombra com a pedra da calçada.
Vagos rumores de bondes, de ônibus, os últimos veículos, já sonolentos que vão e voltam quase vazios. O guarda-noturno, que passa rente às casas, pode ouvir ainda a música de algum rádio, o choro de alguma criança. Mas vai andando. A noite é serena, a rua está em paz, o luar põe uma névoa azulada nos jardins, nos terraços, nas fachadas: o guarda- noturno pára e contempla.
À noite, o mundo é bonito, como se não houvesse desacordos, aflições,
Ameaças. Mesmo os doentes parece que são mais felizes: esperam dormir um pouco à suavidade da sombra e do silêncio. Há muitos sonhos em cada casa. É bom ter uma casa, dormir, sonhar. O gato retardatário que volta apressado, com certo ar de culpa, num pulo exato galga o muro e desaparece: ele também tem o seu cantinho para descansar. O mundo podia ser tranqüilo. As pessoas podiam ser amáveis. No entanto, ele mesmo, o guarda-noturno, traz um bom revólver no bolso, para defender uma rua...
E se um pequeno rumor chega ao seu ouvido e um vulto parece apontar na esquina, o guarda-noturno torna a trilar longamente, como quem vai soprando um longo colar de contas de vidro. E começa a andar, passo a passo, firme e cauteloso, dissipando ladrões e fantasmas. É a hora muito profunda em que os insetos do jardim estão completamente extasiados, ao perfume da gardênia e à brancura da lua. E as pessoas adormecidas sentem, dentro de seus sonhos, que o guarda-noturno está tomando conta da noite, a vagar pelas ruas, anjo sem asas, porém armado.
http://mvals.blog.uol.com.br
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